Índice CNN e a importância das disputas municipais para o sistema político brasileiro

Por Vinícius Silva Alves – Diretor do IPESPE Analítica – Publicado por CNN em 21/02/24

Historicamente, as eleições municipais despertam grande atenção da mídia e mobilizam setores expressivos do eleitorado brasileiro.

No entanto, por vezes, o debate público as trata como pleitos de segunda ordem, que seriam ofuscados, subordinados ou mesmo desconectados das competições estaduais e da corrida presidencial.

As características do nosso sistema político serviriam para corroborar essa suposta desarticulação. A mais evidente delas é o calendário eleitoral, que separa temporalmente as disputas por cargos eletivos locais das competições estaduais e nacionais.

Além disso, a alta fragmentação do nosso sistema partidário, fracionado em um grande número de legendas distribuídas irregularmente no extenso território nacional, assim como as baixas taxas de identificação partidária, seriam um obstáculo para que os eleitores coordenassem seu voto entre eleições municipais e gerais sucessivas. No entanto, essa desarticulação é apenas aparente.

Em pesquisa realizada em coautoria com Antonio Lavareda no livro “Eleições municipais na pandemia”, publicado pela Editora FGV em 2022, apresentamos um enquadramento analítico diverso para o tema.

Nele, propomos um entendimento do sistema partidário-eleitoral brasileiro a partir de uma lógica bottom-up, em que o desempenho dos partidos nas eleições locais condiciona os resultados das eleições gerais subsequentes.

Na pesquisa, agregamos os partidos em campos ideológicos (esquerda, centro e direita) – conforme a classificação predominante entre os especialistas – e identificamos padrões de articulação entre pleitos que ocorrem nos diferentes estratos da federação.

Para o teste da hipótese que orientou a pesquisa, revisitamos a trajetória sociopolítica nacional desde a transição democrática e identificamos que as disputas pelos cargos de vereador e prefeito têm funcionado sistematicamente como “barômetros ideológicos” das eleições gerais posteriores, sinalizando antecipadamente as condições de competição para candidatos de diferentes espectros nos pleitos seguintes.

Por exemplo, se as legendas do campo da esquerda ampliam sua votação para os cargos municipais, é bastante provável que essa tendência se repita nas próximas eleições gerais.

O desempenho estadual e nacional dos campos ideológicos na corrida por assentos nas Câmaras municipais e prefeituras projeta sua votação nas disputas proporcionais seguintes (Assembleias Legislativas e Câmara dos Deputados) e serve também como parâmetro para estratégias de coordenação dos principais atores nas competições majoritárias subsequentes.

Isto porque as eleições locais refletem avaliações latentes sobre os candidatos associados aos diferentes grupos e ideologias em disputa. Neste sentido, as competições municipais operam como testes da receptividade do eleitorado a candidaturas de diferentes matizes ideológicos, reverberando com regularidade notável sobre a performance dos campos nas competições estaduais e nacionais.

Para se ter uma ideia da magnitude dessa conexão, a correlação de Spearman entre o desempenho estadual dos campos ideológicos para prefeito e deputado federal nas duas últimas eleições foi de 0,80, em uma escala de -1 a 1, em que 1 indicaria uma correlação perfeita entre a performance dos campos nos pleitos de 2020 e 2022, e -1, uma completa correlação inversa.

Para os mesmos anos eleitorais, o valor foi ainda mais expressivo entre o desempenho dos campos para vereador e deputado federal (0,92).

É relevante pontuar que as disputas municipais são pleitos intermediários, uma vez que têm lugar no meio dos mandatos estaduais e nacionais. Assim sendo, são capazes de atualizar o nível de apoio a partidos de diferentes espectros e influenciar as estratégias e reposicionamentos dos competidores para as disputas que as sucedem. Além disso, a grande proximidade entre eleitores e candidatos nas municipalidades favorece o compartilhamento de valores e atitudes políticas, aferindo-se a partir deles o peso dos humores locais sobre o destino das próximas eleições gerais.

Examinando a votação dos agregados ideológicos em todas as eleições da Nova República, é possível identificar que os realinhamentos do sistema partidário nacional foram precedidos por alterações sensíveis no desempenho dos partidos nos pleitos locais imediatamente anteriores. A partir de um exame histórico-comparado e com o auxílio de testes estatísticos, a pesquisa conduzida em coautoria com Lavareda evidencia que as eleições municipais de 1988, 1992, 2000 e 2016 sinalizaram a iminência de ciclos eleitorais favoráveis aos campos ideológicos que chegaram à presidência – em 1989 (direita), 1994 (centro), 2002 (esquerda) e 2018 (direita) -, com reflexos também sobre os demais cargos em disputa nas eleições gerais.

Assim, a despeito das relações personalistas, curiosidades e idiossincrasias que podem emergir das disputas locais – e que frequentemente despertam atenção da mídia, do eleitorado e de analistas – pesquisas recentes têm endossado a relevância de dinâmicas subnacionais para o entendimento do sistema político-partidário brasileiro. Em consonância com esse entendimento, é possível afirmar que as eleições municipais, quando examinadas em perspectiva histórica, são capazes de oferecer um entendimento sistêmico sobre o horizonte da política brasileira, captando o clima ideológico das competições que as sucedem.

Tendo em vista a relevância das disputas municipais, especialmente em meio a um contexto singularmente desafiador para o futuro do sistema político nacional, será lançado o Índice CNN, fruto da parceria entre a CNN e o IPESPE Analítica – nova divisão do IPESPE responsável por análises estatísticas avançadas.

Com o auxílio de agregadores inteligentes que monitoram a evolução das intenções de voto dos principais candidatos e candidatas em disputa, a iniciativa viabiliza o
acompanhamento das eleições para prefeito nas capitais e munícipios com possibilidade de segundo turno ao longo da corrida municipal de 2024 (G-96).

O agregador é desenvolvido a partir de um conjunto de pesquisas registradas no Tribunal Superior Eleitoral, conduzidas por diversos institutos, e leva em conta as
características amostrais de cada levantamento, além do histórico dos institutos em eleições prévias, atribuindo maior peso aos levantamentos realizados por institutos tradicionais e em datas mais próximas ao pleito.

Com o agregador, construído a partir de técnicas de machine learning e estatística bayesiana, estimamos a intenção de voto dos principais competidores considerando o
acumulado de pesquisas disponíveis até a data do levantamento mais recente. O agregador é sempre atualizado com a divulgação de novas pesquisas.

Além disso, o Índice CNN disponibilizará semanalmente o quadro competitivo dos partidos, por meio do qual contabilizamos as legendas que lideram as eleições de prefeito por região e no agregado nacional.

Desse modo, a CNN e o IPESPE Analítica inovam não apenas na amplitude da cobertura atualizada das eleições municipais nesse ano, mas oferecem também informações e análises qualificadas que antecipam tendências para as eleições de 2026.

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